Olá, meu nome é Karla e sou mãe da Lara que tem 7 anos.
Durante uma conversa no grupo de apoio à adoção, o Acolher Mairiporã, do qual faço parte, novamente o tema da rede de apoio foi o foco do bate-papo e surgiu um questionamento: “ porque a equipe técnica quer saber da minha rede de apoio?”. Por incrível que pareça essa pergunta é muito importante, ainda que pareça invasiva, mas é preciso lembrar que “para criar uma criança é preciso uma tribo inteira” e disso sou testemunha porque vivo na pele essa experiência que vou contar para vocês.
Se engana quem pensa que rede de apoio só deve ser pensada em casos de adoção. Quem pensa em ter filhos tem que pensar na tão importante e indispensável rede de apoio, porque tanto faz ter filho biológico ou por adoção, pois sempre precisamos de ajuda e imprevistos acontecem na vida de todo mundo que tem ou não tem filhos.
Minha experiência com rede de apoio começou logo depois que minha filha chegou. Eu era casada e tinha minha mãe. Eu sabia que não podia contar com a família dele por N motivos, mas eu tinha ele e minha mãe que eram a minha rede de apoio. Poucos meses depois da chegada de Lara o casamento acabou, foi um baque. Voltei a morar com minha mãe que passou a ser minha única ajuda em todos os sentidos, porém quando minha filha chegou, recebemos o diagnóstico de câncer da minha mãe no mesmo mês e aí iniciou o período de grande turbulência.
Enquanto minha mãe estava bem, na medida do possível, ela me ajudava com a Lara. Eu trabalhava de manhã, das 5 às 14 horas. Neste período Lara ficava com minha mãe que a acompanhava nas terapias nos dias que não eram minha folga. À tarde Lara estudava e eu seguia com a rotina de toda dona de casa. O tratamento da minha mãe ainda não era pesado, pois a doença estava muito no início e o tratamento seguiu em casa com algumas consultas por mês e exames.
Um ano depois veio a cirurgia da minha mãe e aí eu me vi no aperto total: saúde e cuidados com minha mãe, saúde , cuidados e terapias da Lara, trabalho, casa, médico, mercado, contas, escola e EU SOZINHA para dá conta de tudo.
Na cirurgia da minha mãe minha irmã veio de Pernambuco para ajudar. Ficou com ela no hospital e passou um mês aqui em casa, mas mesmo com essa ajuda, na época da cirurgia tive que faltar ao trabalho por 3 dias porque não tinha ninguém para ficar com Lara. E tudo eu comunicava ao meu chefe. Isso era final de 2021, em plena pandemia para facilitar mais ainda a situação.
Em fevereiro de 2022 iniciou o tratamento de radioterapia da minha mãe e, por ser pelo SUS, não era possível marcar as sessões no horário desejado e assim comecei a faltar ao trabalho, a ter saídas antecipadas ou chegadas atrasadas porque os horários nunca eram os mesmos e eu não tinha rede de apoio para acompanhar minha mãe ao hospital e também para ficar com Lara. Era eu para tudo. Por causa disso, pedi ao chefe para me colocar no turno da noite porque eu precisava está livre durante o dia para cuidar das duas, levar ao médico, exames, terapias, escola, ir ao mercado… E assim em fevereiro de 2022 comecei a trabalhar à noite. Nunca mais eu soube o que é dormir normalmente. Muitas e muitas vezes fui trabalhar tendo dormido apenas 40 min, 1 hora ou 3 horas dentro do carro ou na recepção de uma clínica ou de um hospital. Muitas e muitas vezes acompanhei minha mãe ao médico, ao tratamento ou aos exames, tendo que levar minha filha junto porque não tinha ajuda de ninguém. Vale lembrar que Lara tem muitas comorbidades e é autista. Chorei muitas vezes dentro do banheiro por que me sentia cansada de mais. Todos que eu procurava não me ajudavam porque não podiam e mesmo pagando não encontrava quem quisesse trabalhar me ajudando. O tempo foi passando e a situação piorou em fevereiro de 2023 quando minha mãe precisou ficar internada. Eu trabalhava à noite e não conseguia quem ficasse em casa à noite com Lara para eu trabalhar. Aqui faço uma observação: quem ficasse com minha filha à noite receberia por isso e passaria a noite dormindo porque ela dormia a noite toda, então a pessoa não teria trabalho, mas ninguém aceitava. Nestes 10 dias terminei adoecendo de tanto nervoso e nem conseguia ir ao hospital e nem ir trabalhar. Minha mãe ficou sozinha no hospital e isso era um tormento para mim.
O tempo passou e a situação só piorava. Transformei minha casa em um BBB, coloquei câmeras dentro e fora de casa para poder vê minha mãe e minha filha durante a madrugada, pois Lara dormia, mas a minha mãe acordava muitas vezes à noite. Um dia estava trabalhando longe de casa e minha mãe passou mal à noite e eu não tinha como chegar em casa sem transporte na madrugada. Cheguei em casa às 5 horas e vi o portão da garagem todo aberto e minha filha sozinha na garagem e minha mãe desmaiada em uma cadeira. Me desesperei porque não pude socorrer e nenhum vizinho ajudou. Quantas vezes precisei que alguém da vizinhança recebesse a van da escola porque eu estava em um hospital e não tinha quem a recebesse? Era preciso pedir ao transporte que a deixasse por último para dá tempo de eu chegar em casa.
Em dezembro de 2023 nova internação da minha mãe sem prazo para alta. Minha mãe foi sozinha para o hospital sendo levada pelo SAMU e eu não pude acompanhar porque Lara também estava doente. E assim ela permaneceu por 4 meses até falecer. Neste período de Dezembro até março de 2024 me vi muito aflita sem ajuda. Pedi muito à Deus que me mostrasse quem poderia me ajudar e assim tive a ajuda da Sônia Quiles e sua família que ficaram com Lara na semana entre Natal e Ano Novo. Depois pedi ajuda à Deus para me mostrar quem me ajudasse durante o dia com a Lara para eu ficar com minha mãe no hospital porque ela estava grave e não podia mais ficar sozinha, foi aí que a Dani, do GAA Acolher Mairiporã, me ajudou por um bom tempo. Neste meio tempo, em janeiro de 2024, precisei ser operada e com 15 dias de cirurgia pedi para a Dani ficar no hospital com minha mãe por causa do estado dela e eu fiquei sozinha em casa com minha filha cuidando dela, de comida e tentando fazer repouso na medida do possível com ela em casa porque eram férias escolares. Com 22 dias de operada voltei a ficar no hospital e Dani ficou com Lara por mais uns dias, até quando foi possível para ela. Os últimos 17 dias de vida da minha mãe minha irmã veio para São Paulo e nos revezamos entre hospital e cuidados com a Lara. Hoje a rotina mudou um pouco, consegui quem me ajude à noite para eu poder trabalhar e durante o dia fico em casa, mas sigo com uma única pessoa como apoio e rezo para que nada aconteça para não passar novamente por períodos difíceis por falta de ajuda.
Enfim, pensar em rede de apoio é de extrema importância. Quando o filho chega e quando a necessidade aparece é que descobrimos qual é realmente a nossa rede de apoio. Antes disso, temos uma vaga ideia de quem poderá nos ajudar com o filhos em um momento de dificuldade. Geralmente as pessoas dão desculpas, outras ainda alfinetam: “quem mandou procurar sarna para se coçar?”, “eu te avisei que você estava procurando problema” e isso é comum tanto na filiação biológica quanto adotiva. Rede de apoio é uma necessidade para todos e saber com quem contar é importante, mas por experiência própria eu digo: tenha sempre um plano B,C, D e E porque não existe garantia nenhuma de que quem fala: “pode contar comigo” realmente vai sustentar a palavra. Fora isso, não tenha medo de ser mãe ou pai, isso é uma benção e Deus nos capacita para enfrentar tudo, mesmo em meio à turbulência. E lembre-se, qualquer tipo de filiação nos trás desafios inimagináveis e desistir dos filhos nunca deve ser uma opção em nenhuma situação.
Karla F. Medeiros
(24/04/2024 GAA Acolher Mairiporã-SP)